[RESENHA] O Poço da Solidão - por Marguerite Radclyffe Hall



Publicado originalmente na década de 20, esta obra foi banida dos Estados Unidos e da Inglaterra por ser considerada imoral para os padrões vigentes na sociedade da época. "O Poço de Solidão" foi finalmente liberado em 1948 e passou a ser considerado a "Bíblia do lesbianismo".

O romance conta a história de Stephen Gordon - batizada com nome masculino e criada sob severas regras de comportamento por sua família durante a época vitoriana - que passa a ter impulsos homossexuais, um homem aprisionado em um corpo feminino.

O Poço de Solidão foi lançado em 1928, tal como Orlando de Virginia Woolf, e provocou um enorme alvoroço em toda a Europa e na América. Foi proibido em Inglaterra, decisão que fez nascer entre os sectores mais libertários da sociedade da época um movimento de luta pela liberdade de expressão. Banido das livrarias, deu origem a uma troca de artigos inflamados entre editores e jornalistas conservadores e anárquicos e tornou-se um «sucesso escandaloso» passado de mão em mão, em cópias contrabandeadas, de Paris para Berlim e de Londres para os Estados Unidos.

A personagem central do romance é Stephen, uma jovem herdeira inglesa baptizada com um nome masculino pelo pai desgostoso pelo facto de não ser «o tão desejado filho varão». A narrativa, escrita num registo ardente e sensível e com uma abordagem psicológica crua e direta, acompanha Stephen ao longo da vida e retrata a sua luta para se afirmar, apesar de cedo perceber o quão difícil é ser-se respeitado na sociedade inglesa do começo do século XX.

A ingenuidade de Stephen, sempre à espera de ser aceita tal como é, uma mulher trabalhadora, com ambições e capaz de ganhar o seu próprio sustento, é verdadeiramente enternecedora. A obra deixou boquiabertos os moralistas da época, que alegavam que a mesma lançava uma luz favorável sobre comportamentos que consideravam exemplos de libertinagem. A luta pela aceitação travada por Stephen, a protagonista, confunde-se com a de Radclyffe Hall, a sua autora, que lutava contra a proibição do seu livro de uma forma panfletária e quase pré-militante que deixava irritados tanto os conservadores quanto os espíritos mais anárquicos ou libertários.

Radclyffe Hall


Resenha (por Juçara Menzes):

'O Poço da solidão' é, acima e a parte de tudo, um livro extremamente corajoso. Em uma época em que o lesbianismo era considerado libertinagem (ok, para alguns idiotas ainda é), a obra conta a história da menina Stephen, batizada com nome de garoto, rejeitada pela mãe e recebendo um amor-rejeição do pai.

O que dizer? O livro inteiro narra a guerra psicológica de Stephen, seu sentimento de saber que não pode ser errado ela pensar e amar do jeito que faz e, mesmo assim, receber olhares tortos de desprezo por onde passa, mesmo com os serviçais conhecidos de infância e mesmo outras lésbicas que não querem ter seu amor íntimo tão a mostra.

Mas nem por isso Stephen deixa de fazer o que é necessário: toma as rédeas da casa, quando do falecimento do pai, vai para a Guerra, sobrevive e ainda ajuda pessoas que, posteriormente, vai-lhe empenar o nariz e menosprezá-la.



Durante todo o processo, ela se questiona se nasceu em um lugar errado, uma época errada, em uma casa estranha? Até que finalmente percebe: é o corpo que é estranho. Stephen é um homem aprisionado a um corpo feminino, de onde não pode sair nem separar-se por completo.

Sim, o início - com a rejeição descarada da mãe e um amor não-integral do pai - é de sofrimento. Aliás, o meio também é. E se querem saber, adianto logo, o fim também é trágico.

E é exatamente isso que deixa a obra de Hall mais completa e realista: apenas as novas gerações - e isso, infelizmente, nem é de todo verdade - não sentem tanto o desprezo da mãe, do pai, amigos, vizinhos, escola e trabalho por sua orientação sexual.

A primeira obra a falar abertamente sobre o lesbianismo tem também outra característica. A linguagem não é tão rebuscada quanto se está acostumado. Uma ou outra expressão precisa ser relida, mas é tudo tão bem contado, inclusive na parte cronológica, que se trata de mais um artifício da autora para deixar o texto mais denso.

Este não é apenas o meu livro número 1 sobre lesbianismo, mas o 1 de todas as listas de livros que até agora li; está nesta posição há três anos e, por mais que já tenha lido mais de 40 livros depois deste (incluindo outros clássicos internacionais), 'O Poço da Solidão' lidera disparado qualquer outra obra. Recomendação máxima!


Título: O Poço de Solidão
Autor: Radclyffe Hall
Editora: Record
Edição: 1
Ano: 1998
Idioma: Português
Especificações: Brochura | 512 páginas
ISBN: 85-0104-617-5
Peso: 650g
Dimensões: 210mm x 140mm

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