Herege ou feliz?



Por Cláudia Pereira //


Não é que eu odeie Deus.

Pelo contrário, eu o amo, eu creio Nele. Apenas não gosto das religiões que operam em seu  Nome.

Não acredito que todo tipo de amor é pecado e que somente homens e mulheres podem gozar do santo matrimônio.

Me perdoem, eu penso demais para me permitir ao desfrute de crer em sacrifícios morais.

Eu sei que Deus não me odiará se eu não procriar. Ou se não cuidar das cuecas do meu marido.

Ele não irá me excomungar se eu amar uma mulher ou a um coelho.

Por que eu posso amar quem eu quiser, certo?

Posso amar um gato. Uma foto do Elvis. Ou um bom prato de feijão.

Minha avó dizia que eu jamais deveria adorar algo que não fosse Deus.

Tadinha, ela acreditava demais nas palavras dos homens. Orava por todo mundo, andava com um caderninho cheio de oração.

No bolso do vestido, uma penca de balas de hortelã. No outro, moedas e trocados para uma pipoca.  Embaixo do braço, o bendito objeto de devoção. Eram orações que ela mesma inventava ou copiava. E ainda tinham fotos de todos a quem ela amava. Pegava a fotinha e fazia o sinal da cruz.

Pedia que fôssemos protegidos e amparados. Eu achava tudo muito lindo até que um dia dei por falta de uma foto de uma prima minha.

Eu perguntei: “Vó...por que a foto da fulana não tá aqui entre as nossas?”.

Ela respondeu: “Não rezo por ela porque ela não precisa...essa menina não gosta de mim...e eu também não gosto dela”.

Fiquei muito impressionada com a resposta. Pensei que o amor fosse igual para todo mundo. Mas pelo jeito, vovó tinha lá suas determinações quanto ao amor incondicional.

Foi nesse dia que entendi que eu não era obrigada a gostar de todo mundo. Entendi a mensagem e a usei como ensinamento divino.

Essa atitude não me fez deixar de amar minha vovó. Pelo contrário, a admirei muito mais.

A velhinha amada nunca me aconselhou a procurar a salvação na Igreja. Ela me dizia que ia porque se sentia muito bem lá dentro. E eu a acompanhava  porque pensava nas comidas gostosas que me esperavam na feira.

Como eram longos aqueles 60 minutos. Eu não queria me ajoelhar, nem cantar as músicas. Só pensava nos quitutes das bancas e da mãozinha dela me acariciando a nuca.

Isso era o suficiente. Melhor que todas as orações, mais emocionante que qualquer sermão.

Saíamos de lá de mãos dadas pelas ruas da Aparecida. O caminho era longo e delicioso. Eram passeios lentos, comungados entre nós duas em silêncio.

Às vezes sinto-me culpada por não ter a fé enorme de minha amada avó. Sinto não comungar com os pecados divinos,  nem com as palavras santas do papa.

Eu nunca fui  crente em relação a  nada que a igreja católica ensina. Pra mim, não passam de palavras vazias, de lições de morais recheadas de mentiras.

Me ajoelhar perante um padre? Não faço.

Pedir absolvição pelos meus pecados? Nem pensar.

O padre é apenas um homem. Trabalhar na igreja é uma profissão. Aliás, uma das profissões mais lucrativas que se tem notícia.

Não acho que esse homem comum poderá me perdoar dos meus erros humanos.

Eu não sinto a presença da divindade quando entro nessa igreja criada pelos homens. Tudo o que vejo é ordem milenar. Tudo em seu devido lugar. Perfeito feito o Vaticano.

Esse não é o lugar indicado  para se chorar dores. Parece mais adequado para quem foge da triste realidade lá de fora. Quem nunca foi se refugiar numa igreja do calor, do barulho ou de algum sentimento estranho?

Eu já fui. Entrei lá e fiquei sentada, olhando para os santos, para os bancos, para a limpeza de tudo. Tentei orar com sinceridade. Sei lá se conseguir. Senti uma pontada de agonia por não ser como todo mundo.

Por que tenho que ser tão questionadora?  Por que me angustia tanto a riqueza do clero em contraste com a miséria?

Eu deveria aprender a fingir.  Fingir que está tudo bem. Fingir que alguns minutos de joelho vão me curar de toda dor. Fingir que aquele pobre homem lá na frente tem poder de livrar do ódio, rancor e desejo sexual.
Santa paciência sem limite. Sou uma mentirosa fracassada.

Nem em um milhão de anos vou convencer alguém de que sou devota católica apostólica romana.

HEREGE


Assumo o meu dom para a solidão da oração.
Eu rezo com fé sozinha.
Em meu quarto.
Na cama com o crucifixo.
Com a imagem de Aparecida na cabeceira.
Dirão que sou louca, por certo.
Assino embaixo com orgulho.
Insana, porém...submissa às minhas próprias crenças.
Sem religião concreta. Nem pensamentos deploráveis.
Me deito com a cabeça tranquila , em paz. E durmo porque mereço.
Não será uma religião que irá conter meus ímpetos de felicidade em relação ao sentimento  carnal.
Penso que tudo que é amor deva ser reverenciado.
Por mais que as pessoas insistam em colocar rótulos, hei de continuar levando a minha vida do jeito como sempre foi: intensa e passional.
Viver trancada no medo não é viver. É morrer de arrependimento, de vergonha, de incapacidade.
Se é verdade que Deus me criou à sua imagem e semelhança, aqui estou eu, de cabeça erguida diante da bíblia.
Enquanto eu crer nisso, hei de não me curvar às  santas leis criadas para manter o rebanho calado.
Grito e me revolto a qualquer tipo de ordem dita pelos sábios humanos.
Sem meias palavras....
Sou bendita o fruto do vosso ventre, amém!

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1 Comentários:

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TUCUMAREIAMAR
Administrador
6 de agosto de 2011 às 14:57 ×

Já percebi que todas as pessoas que são chamadas de hereges, blasfemadores e outros sinônimos, por parte dos evangélicos, são pessoas inteligentes e ótimos seres humanos. Como pessoas boas neste mundo são poucas, estes são sempre minoria. Todos os que foram, ou seja, tratados com esses adjetivos, faço questão de ter como meus amigos.
Certamente são pessoas de nível muito acima e são chamadas assim porque não compartilham da mediocridade e da pobreza mental instituída pelas religiões
Se a inquisição tivesse sido animada de tão bons propósitos, por que a própria igreja católica faz de tudo para que ela não seja ensinada no Ensino Médio das escolas mundiais Isso apenas demonstra o poder que essa empresa tem sobre a sociedade, fazendo com que pessoas como você tenham visão parcial sobre sua história de horrores contra a Humanidade. Qualquer historiador mediano sabe que a icar é a maior criminosa de todos. Abs.

TUCUMAREIAMAR
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