Paula e Bebeto



Por Sérgio Freire //

Quando o corpo sofre efeitos de doenças inexistentes diz-se que é um efeito psicossomático. No seu poder desconhecido, a mente encontra motivos para fazer doer partes do corpo em dores reais. A mente comanda, soberana, e o corpo responde, subserviente.

O amor platônico seria um tipo de dor psicossomática. Primeiro, vamos à explicação do nome: o amor é platônico em referência ao mito das cavernas de Platão. O filósofo dizia que tudo o que existe é mero produto da mente a partir da percepção humana, sempre enganosa. Por extensão, o amor platônico é um amor que só existe na cabeça do apaixonado.

Tá bom! Senta lá, Platão. Psicossomática coisa nenhuma! Quem já viveu um amor platônico sabe como ele é à vera ou dos vera, como a gente diz no Amazonas.

O amor platônico faz a gente sentir aqueles já conhecidos sintomas: mãos suadas, coração palpitante, respiração ofegante. Não por acaso, esses são os sintomas que caracterizam o estresse e o sexo também. Está tudo embolado. Na cabeça do apaixonado platonicamente, é tudo a mesma coisa.

O amor platônico bom, de raiz, é aquele em que o objeto da paixão não tem a mínima ideia de que é objeto do amor alheio. A gente devaneia, viaja no enredo: Machados de Assis escrevendo Dons Casmurros particulares. A gente imagina situações, reza para um encontro casual, ouve as músicas preferidas dele, entrega a alma ao Cramunhão por um sorriso. A gente é tão carente desse amor, que nem sabe da gente, que um olhar já nos derrete: como neve num vulcão. Escrevemos cartas e poemas (que guardamos), tweets (que apagamos ou largamos solto na timeline) e SMS (que mandamos com o ID do celular bloqueado).

Mandamos recados pelo status do Orkut, do MSN. Ele não sabe da gente, mas a gente se comunica mesmo assim. Ah, se ele soubesse ler os sinais…

Há outro tipo de amor platônico: o que sabe de nossa paixão. Esse ainda se subdivide em os que sabem e fingem não saber, se fingindo de morto, e os que sabem e alimentam nosso platonismo de forma a manter vivo o fogo da paixão que, sabe ele, jamais lhe aquecerá. O que se finge de morto o faz porque não quer corresponder, por motivos variados. Mas, ao saber, sente certamente aquela sensação gostosa de ser desejado. O objeto do amor platônico que alimenta teme perder essa sensação. Não se conforma em deixar a coisa ir por si. O que alimenta é o tipo de pessoa que toma as rédeas das coisas. Ele quer decidir a hora de parar. Inclusive de parar de ser objeto do desejo alheio.

Há, por fim, o amor platônico declarado. Ambas as partes se sabem, se curtem, mas não se podem. Aqui eu não escrevo nada. Só coloco o link da declaração de amor do filme Simplesmente amor, em que o cara se declara para Juliet, a mulher do melhor amigo na antológica cena dos cartazes. E esse amor mútuo proibido acaba encontrando formas sublimes de ser sublimado, como a surpresa feita à mulher amada em seu casamento, no mesmo filme. Ou a escrita de um texto sobre amor platônico.

Mas classificações e subclassificações à parte, o amor platônico tem tudo de um amor real. Ele surpreende, ele abate, ele assusta, ela dá frio na barriga, ele incomoda, ele se acomoda. Ele deixa na dúvida, ele traz certezas. Ele aparece nos sonhos e nos pesadelos. Ele devolve ao objeto do desejo o ar de “ainda estou vivo”. O amor platônico tem ciúme, fica puto, quebra as coisas. Chifre de amor platônico dói igualzinho. Pior ainda é quando nosso amor platônico encontra em nós o seu confidente. Como diz a música: “se abre e acaba comigo”.

O amor platônico faz parte da enciclopédia do amor. Nem melhor, nem pior. Só diferente. E tão verdadeiro quanto. Produto das ideias coisa nenhuma! No coração de quem ama platonicamente também bate um coração. Explique para a alma que tudo isso é fake. Convença o coração que ele bate mais forte em vão.

Como os amores em geral, o amor platônico vem e um dia vai. Ou não. E se ficar, prova para todo o mundo e para o mundo todo que toda maneira de amor vale a pena. Que toda maneira de amor valerá.

E você? Nunca viveu um amor platônico? Está vivendo um? Já pensou aí qual a palavra que nunca foi dita? Diga.
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