Georges Simenon - I

Nas primeira horas da sexta-feira dia 13 de fevereiro de 1903, nasce em Liège, na Bélgica, Georges Joseph Christian Simenon, filho do contador Desiré Simenon e Henriette. Supersticiosos, os pais registram o primogênito como nascido às 23 horas e 30 minutos do dia 12. Em 1906, nasce Christian, único irmão de Georges, que desempenhará um papel crucial nas relações da família: torna-se o preferido de Henriette, que relegará Georges a um segundo plano.
No colégio jesuíta Saint-Servais, Georges toma consciência da sua inferioridade social: a maioria dos seus colegas são internos, enquanto ele freqüenta a escola em regime de semi-mensalidade, especial para crianças modestas. O futuro escritor abandona os estudos antes de completar o secundário e, adolescente, enquanto pula de aprendiz de confeiteiro a bibliotecário, revolta-se contra o meio medíocre em que vive. Por essa época é tomado de um fascínio por cabarés e pelo mundo da prostituição, que permanecerá no seu imaginário. Aos 15 anos torna-se repórter de generalidades no jornal católico Gazette de Liège, onde assina com pseudônimo. Os textos de Georges Sim são apreciados pela fluidez e pelo tom cáustico, e ele passa a fazer a cobertura literária e artística. Escreve também colunas humorísticas e colabora com outros periódicos, depurando o seu estilo, demonstrando uma proficuidade precoce (de 1919 a 1922 escreve quase 800 textos) e acumulando um reservatório de causos e histórias que será o recheio da sua obra romanesca.
É durante o tenso período do entre-guerras que Simenon se estabelece como escritor. Em 1920, escreve o seu primeiro romance, Au pont des arches, publicado no ano seguinte sob o nome de Georges Sim. Em meados da década de 20, muda-se para Paris com a estudante de Belas-Artes Régine Renchon, com quem se casara em 1923 e sobre quem declarará, mais tarde, ter sido mais uma amiga do que uma verdadeira paixão. Na França, trabalha como secretário particular. Um de seus clientes: o marquês Raymond d’Estutt de Tracy, cuja propriedade Paray-le-Frésil vai se tornar, na ficção, Saint-Fiacre, local de nascimento do comissário Maigret.
Para sobreviver, Simenon escreve romances populares – histórias melosas ou relatos de aventuras – em ritmo industrial e sob os mais diversos pseudônimos: Jean du Perry, Georges Sim, Christian Brulls, Luc Dorsan, Gom Gut, Georges Martin-Georges, Georges d’Isly, Gaston Vialis, G. Vialo, Jean Dorsage, J. K. Charles, Germain d’Antibes, Jacques Dersonne. O casal contrata os serviços de Henriette Liberge, que trabalhará durante anos na família, tornando-se amante do escritor. Um caso escandaloso com a cantora de jazz afro-americana Josephine Baker, que faz sucesso na Paris da década de 20, dá o tom da vida amorosa do já popular escritor (mais tarde, em entrevista ao cineasta Federico Fellini, ele dirá ter mantido relações com 10.000 mulheres). Em 1928, os Simenon viajam de navio durante meses através de canais da França. Será apenas uma das muitas viagens que se tornarão hábito da família e que fornecerão à obra do escritor vasta paisagem e tipos peculiares.
Em setembro de 1929, o comissário Maigret faz sua primeira aparição na história Train de nuit, ainda num papel secundário, e ainda escrito sob pseudônimo (Christian Brulls). Mas em 1930, no folhetim La maison de l’inquiétude, Maigret trata de um inquérito do início ao fim. Simenon oferece à editora Fayard uma série de romances com o personagem. A proposta é aceita na condição de que Simenon produza, também, romances populares. Pietr-le-Letton, o primeiro romance do comissário Maigret assinado por Georges Simenon é publicado em 1930 no periódico Ric et Rac. No ano seguinte, a coleção Maigret, com os títulosMonsieur Gallet, décédé e Le pendu de Saint-Pholien, é lançada com estrondo. O comissário da Polícia Judiciária francesa rivalizará com os mais célebres personagens de romances policiais, como Sherlock Holmes e Hercule Poirot, e será, sem dúvida, o mais humano dos detetives da literatura, movido por enorme compaixão humana e para quem a compreensão psicológica dos suspeitos é tão útil quanto o raciocínio. O sucesso da série é imediato e seguem-se Le charretier de la providenceLe chien jaune, La nuit du carrefour, Un crime em Hollande, entre outros. No total, além de livros de contos, serão 75 romances com o seu personagem mais famoso, nos quais Maigret, desvenda os mais variados tipos de crimes, tendo como pano de fundo painéis e críticas sociais. Os romances começam a ser adaptados para o cinema, e o prestígio do autor entre a crítica cresce.
Simenon começa a publicar romances pela Gallimard (maior editora francesa da época), mantendo sempre o fluxo de romances também pela Fayard. A sua crescente popularidade é atestada pelo fato de, no final da década de 30, começarem a surgir processos de difamação de pessoas que se identificaram com personagens de um ou outro livro.
Os anos da virada da década de 30 para a década de 40 trazem o nascimento de Marc, o único filho do casal Régine-Georges (em 1939) e o acirramento das tensões políticas pré-Segunda Guerra mundial: durante a ocupação nazista, a publicação de livros na França é dificultada (Simenon rompe a sua média de quatro ou cinco livros por ano e publica alguns títulos através da pequena editora belga La Jeune Parque). Em 1945, vai para os Estados Unidos com a família onde, com o auxílio de um novo agente literário, reorganiza o controle da sua obra. Muda-se para o Canadá e começa a publicar pela francesa Presses de la Cité, que será sua editora até a morte.
Em 1946 os Simenon instalam-se em Tucson, no estado norte-americano do Arizona, acompanhados de perto pela tradutora-intérprete Denyse Ouimet, amante do escritor. Este é profundamente abalado pela morte de Christian, o irmão caçula, na Indochina. A reação da mãe de ambos é, segundo Simenon: “Que pena, Georges, que tenha sido Christian a morrer”.
No final da década de 40 o prestígio literário de Simenon cresce na América do Norte e em outros locais fora do eixo França-Bélgica, e surgem os primeiros estudos críticos sobre a sua obra.
Em 1949, nasce Jean, o primeiro dos três filhos que o escritor terá com Denyse (os outros serão Marie-Jo, nascida em 1953, e Pierre, em 1959). Simenon é cogitado para Prêmio Nobel, torna-se membro da Academia Real de Língua e Literatura francesas da Bélgica e é eleito presidente da Mystery Writers of America, a mais importante associação de autores de crime e mistério. Na década de 50 o escritor volta a residir na França e, no final da década de 60, com o desgaste matrimonial, apresenta sintomas de depressão. Teresa Sburelin, camareira de Denyse (que começa a mostrar sinais de crise nervosa e alcoolismo) será a última companheira de Simenon.
Em 1972, decide parar de escrever. Maigret et M. Charles é o 192º e último romance assinado por Georges Simenon. Com o auxílio de um magnetofone, dita vários livros – formas livres de monólogo e reflexões gerais – que serão publicados pela Presses de la Cité. Marie-Jo, única filha do escritor, comete suicídio em 1978, e ele retoma a pluma para escrever Memóires intimes (Denyse processa o ex-marido por causa de várias passagens). Simenon falece em 4 de setembro de 1989, aos 86 anos.
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